Ao retomar os trabalhos ontem, após o
mês de recesso, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a
cobrança do Funrural de empregadores pessoa física. Funrural é o nome pelo qual
ficou conhecida a contribuição previdenciária do setor agrícola. A decisão,
tomada por unanimidade, deve ditar o destino de milhares de ações no
Judiciário, que pleiteiam a restituição de um montante estimado em R$ 11
bilhões, segundo estudo da Receita Federal de 2010.
Desde 1992, quando o Funrural passou a
incidir sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, a cobrança
tem sido questionada na Justiça. Produtores pedem para deixar de pagar os
valores atualmente e receber de volta a quantia já recolhida.
No caso analisado ontem, um empregador
pessoa física do Sul do país questionava a constitucionalidade do artigo 25 da
Lei n 8.212, de 1991, alterado no ano seguinte pela Lei n 8.540. Ele argumentou
que, ao definir a forma de incidência do Funrural, o artigo desrespeitou a
regra da igualdade no custeio da Previdência Social. Isso porque, enquanto os
demais trabalhadores recolhem valores calculados sobre o salário, a
contribuição do setor rural incide sobre a receita da comercialização. Essa
diferença violaria o princípio constitucional da isonomia.
Antes de 1992, o Funrural também
incidia sobre a folha de salários. Mas, devido ao alto índice de trabalho
informal no setor, havia problemas na arrecadação. Uma mudança legal definiu,
então, que a contribuição seria calculada sobre a receita bruta da
comercialização da produção rural. Sucessivas alterações legais tentaram pôr
fim às discussões judiciais, mas, até o momento, sem sucesso.
Os produtores também argumentam que a
cobrança só poderia ter sido instituída por lei complementar. Para pessoas
jurídicas, defendem ainda que haveria dupla cobrança - pois a receita bruta já
é tributada pela Cofins.
No julgamento de ontem, o relator do
caso, ministro Ricardo Lewandowski, retomou os argumentos considerados no julgamento
do leading case sobre o Funrural. Em fevereiro de 2010, ao analisar um processo
do frigorífico Mataboi, o Supremo derrubou o recolhimento da contribuição feita
pelas empresas que adquirem a produção - obrigadas a reter e repassar os
valores à Previdência, como substitutos legais dos produtores. Os ministros
entenderam que a contribuição fere o princípio da isonomia e só poderia ser
criada por lei complementar.
Como o caso, que desta vez envolveu
diretamente um produtor rural, foi julgado pelo mecanismo da repercussão geral,
a decisão do Supremo vale como orientação para os demais tribunais do país.
Não está claro, no entanto, se a
decisão se estende também à cobrança do Funrural a partir de 2001. A Fazenda
argumenta que, naquele ano, as irregularidades teriam sido resolvidas com a
edição da Lei n 10.256. É que, nesse meio tempo, a Emenda Constitucional n 20
autorizou a cobrança de contribuições sobre a receita bruta. Mas no julgamento
de ontem, apenas o ministro Marco Aurélio se manifestou pela inconstitucionalidade
da Lei n 10.256. Tanto representantes da Fazenda como dos produtores afirmam
que é preciso aguardar a publicação da decisão para entender se os efeitos
valem também para a nova lei.
A Fazenda adianta, porém, que tentará
evitar o rombo de R$ 11 bilhões na Previdência, com o argumento de que os
valores questionados não poderão ser restituídos - mas, sim, recalculados.
"Evitamos falar em impacto financeiro porque, quando o contribuinte tentar
resgatar o que pagou, vamos defender que ele não tem direito à restituição, e
sim a um recálculo", afirma o procurador da Fazenda Nacional Fabrício
Sarmanho, que atuou no caso analisado ontem pelo Supremo.
O
argumento é que, com a inconstitucionalidade da cobrança sobre a receita da
comercialização, o Funrural voltaria então a ser calculado em 20% sobre a folha
de salários, mesmo retroativamente. "Isso vai gerar uma nova discussão e,
dependendo da tese vencedora, o impacto na arrecadação será zero", diz
Sarmanho. A Fazenda poderá entrar com embargos de declaração pedindo que o
Supremo esclareça esses detalhes, além da possibilidade de cobrança a partir de
2001.
Apesar
das dúvidas, o resultado de ontem foi comemorado pelos produtores rurais.
"A decisão reforça ainda mais o entendimento de que o Funrural é
inconstitucional", diz o advogado Carlos Dutra, que representa mais de 400
produtores pessoa física, além de cooperativas como a Batavo, que discutem o
assunto na Justiça.
Fonte: Valor Econômico - 02/08/2011