Em uma decisão considerada inédita no
Judiciário, a Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo (TJ-SP) anulou plano de recuperação judicial aprovado em
assembleia de credores. No caso, a empresa Cerâmica Gyotoku – com uma dívida de
R$ 221,3 milhões e 1.767 credores – conseguiu em assembleia, a aprovação do
plano de recuperação judicial, atingindo o quorum exigido pela Lei nº
11.101/2005.
Segundo o plano, o pagamento dos
credores se daria em 18 anos, calculando-se os pagamentos em percentuais (2,3%,
2,5% e 3%) incidentes sobre a receita líquida da empresa, iniciando-se os
pagamentos a partir do 3º ano contado da aprovação. Além disso, os pagamentos
seriam sem juros ou correção monetária e, após os pagamentos do 18º ano,
haveria remissão ou anistia dos saldos devedores eventualmente existentes.
Com a aprovação do plano de recuperação
judicial pelo quorum exigido em lei, defendeu a empresa recuperanda a ideia da
soberania da Assembleia-Geral de Credores, não podendo o Judiciário deixar de
conceder a recuperação judicial.
No entanto, a Câmara Reservada à
Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP),
em decisão de relatoria do desembargador Manoel Pereira Calças, afastou a
alegada soberania da Assembleia-Geral de Credores, ressaltando os ensinamentos
de Sócrates e Platão no sentido de que as leis são soberanas, não os homens.
Entenderam os desembargadores do TJ-SP
que, embora o plano de recuperação tenha sido aprovado pelo quorum exigido em
lei, a proposta de pagamento viola os princípios gerais do direito, os
princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da propriedade, da
proporcionalidade e da razoabilidade.
Sobre a soberania da Assembleia-Geral
de Credores, relatou o des. Manoel Pereira Calças que essa tese “tem que ser
complementada e aperfeiçoada, ou seja, as deliberações assembleares, construídas
consoante os princípios e regras constitucionais e de acordo com as leis, são
adjetivadas de soberania, a qual é haurida soberania da Carga Magna e do
ordenamento legal. Se, porém, as deliberações da Assembleia-Geral forem
maculadas por vícios, fraudes, simulações, manipulações, inverdades ou
violações aos princípios morais, éticos, constitucionais ou às regras legais,
devem ser nulificadas de ofício pelo Poder Judiciário.”
Com esse entendimento, a Câmara
Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo (TJ-SP) decretou a nulidade da deliberação da Assembleia-Geral de
Credores que aprovou o plano de recuperação judicial, devendo a empresa
apresentar um novo plano dentro de 30 (trinta) dias e submetê-lo à assembleia,
sob pena de decreto de falência.
Fonte: Valor Econômico/Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nº 0136362-29.2011.8.26.0000