Em uma decisão ainda rara no
Judiciário, a 76ª Vara do Trabalho de São Paulo reconheceu a validade de uma
cláusula arbitral presente em um contrato trabalhista entre um alto executivo
do mercado de capitais e o BTG Pactual. A Justiça do Trabalho é normalmente
contra o uso da arbitragem para conflitos trabalhistas. Nesse caso, porém, o
juiz Hélcio Luiz Adorno Júnior considerou que o documento foi firmado por um
alto executivo de "notável formação acadêmica" e "expressivos
vencimentos".
Após ter sido demitido em 2008, o
executivo propôs uma ação judicial contra o BTG Pactual pleiteando o pagamento
do chamado bônus de retenção - premiação com o objetivo de reter talentos e
evitar a saída de empregados estratégicos para a concorrência. Segundo o
contrato, o executivo poderia receber cerca de R$ 500 mil, em três parcelas a
vencer em 2011, 2012 e 2013, caso permanecesse na empresa. A companhia alegou
na Justiça que o contrato tinha uma cláusula compromissória, segundo a qual
qualquer conflito deveria ser levado à Câmara de Arbitragem do Rio de Janeiro e
não ao Judiciário.
De acordo com o magistrado, a
indisponibilidade dos direitos trabalhistas e a hipossuficiência do trabalhador
são os motivos que têm impedido o reconhecimento de cláusulas arbitrais no
contrato de trabalho. Contudo, essa não seria a situação discutida no processo.
O juiz Hélcio Luiz Adorno Júnior entendeu que o executivo não teria sido
coagido a aceitar os termos do contrato de gratificação por ter "condições
para negociar livremente sua contratação". Além disso, o magistrado
considerou que o bônus de retenção foge do padrão dos títulos de natureza
trabalhista, declarando extinto o pedido formulado.
A advogada Priscila da Rocha Lago, do
Demarest & Almeida, escritório responsável pela defesa do BTG Pactual,
afirma que a decisão é um paradigma porque relativiza a interpretação atual do
Judiciário Trabalhista, exatamente em razão das peculiaridades dos contratos de
trabalho desses altos executivos. Segundo a advogada, a Justiça do Trabalho tem
considerado inválidas as cláusulas arbitrais por entender que os direitos
trabalhistas são indisponíveis - ou seja, verbas das quais não se poderia abrir
mão. Há também o entendimento de que o empregado é a parte mais frágil da
relação trabalhista e poderia ser coagido a assinar contratos com previsão
arbitral.
A maioria das decisões no Tribunal
Superior do Trabalho (TST), porém, envolve trabalhadores comuns. "No nosso
caso já é diferente, pois os altos executivos têm uma relação muito mais igual
com o empregador. Em geral, são tão disputados no mercado que podem negociar
cada detalhe da Justiça aceita arbitragem em discussão trabalhista sua
contração", afirma.
Para a advogada Selma Lemes,
especialista em arbitragem, a decisão é interessante porque o juiz aceita essa
forma de resolução de conflitos considerando que não há um desequilíbrio entre
as partes na relação de trabalho. "No caso dos altos executivos fica claro
que, por conta de toda a sua qualificação, há um alto nível de discernimento
para negociar esses contratos e optar ou não pelos termos e condições
estabelecidas". No entanto, segundo ela, o Tribunal Superior do Trabalho
ainda é resistente a esse entendimento, mesmo quando se trata de executivos.
O advogado Rafael Francisco Alves, do
escritório L.O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira, Agel, afirma que
a decisão reflete um posicionamento de vanguarda. "Até pouco tempo a
Justiça não admitia o uso da arbitragem trabalhista em nenhuma hipótese. Agora
esse entendimento já vem se flexibilizando". Para ele, a posição fixada na
sentença será significativa se prevalecer na jurisprudência. Principalmente
numa época em que há um aumento na contratação de executivos estrangeiros no
Brasil. "Em outros países, a inclusão de cláusulas arbitrais nesses contratos
é bastante tranquila", afirma.
Fonte:
Adriana Aguiar (Valor Econômico)