O arrendamento mercantil e/ou leasing
internacional em operações de importação, é prática comercial usual na
atividade empresarial. Sobre tais operações muito se discute quanto a
incidência, ou não, de ICMS; tendo sido levado o debate aos tribunais superiores.
Toda questão se resume em saber se o
leasing internacional é fato gerador de ICMS (Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços), tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal,
estando sua previsão na Constituição Federal disposta no art. 155, inc. II:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal
instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior;
Como se vê, o ICMS sempre irá incidir
nas operações em que exista a circulação de mercadorias, bem como nas
prestações de serviços de transporte entre os Estados e entre os Municípios do
país.
Importante destacar que a operação de
circulação de mercadoria, para fins de incidência do ICMS, é aquela operação em
que ocorre transferência do domínio do bem, ou seja, ocorre a mudança do
proprietário da mercadoria. É a chamada circulação econômica da mercadoria e/ou
circulação jurídica.
Nesse sentido, o arrendamento mercantil
(leasing) é uma operação mercantil onde até o término do contrato inexiste a
transferência da propriedade entre arrendador e arrendatário. Assim, a
titularidade do bem arrendado permanece com o arrendador, podendo o
arrendatário adquirir, ou não, o domínio do bem arrendado, ao final do
contrato.
Para elucidar, vale dizer que, no
contrato de arrendamento mercantil, o arrendatário tem as seguintes opções: (i)
comprar o bem por valor previamente contratado; (ii) renovar o contrato por um
novo prazo; (iii) devolver o bem ao arrendador.
Veja-se que, até o termino do contrato
de arrendamento mercantil, não existe a transferência de propriedade do bem
arrendado. Logo, não ocorrendo a compra do bem pelo arrendatário, não se pode
falar em incidência de ICMS nas operações de arrendamento mercantil (leasing),
posto que não ocorrerá a transferência da propriedade do bem para o patrimônio
do arrendatário.
O entendimento acima, consagrado pela
melhor doutrina, foi trazido pelo legislador no art. 3º, inc. VIII, da Lei
Complementar nº. 87/1996, que assim dispõe:
Art. 3º. O imposto não incide sobre: (...)
VIII operações de arrendamento mercantil, não
compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário?
A legislação inteligentemente faz esta
ressalva, pois no caso de arrendamento mercantil (leasing), seja de leasing
internacional ou operações internas de leasing, não existe a circulação
econômica da mercadoria.
Contudo, os Estados, bem como o
Distrito-Federal, insistem na cobrança de ICMS sobre operações de arrendamento
mercantil, quando estas operações são efetuadas mediante importação (leasing
internacional), o que se demonstra manifestamente ilegal.
A fundamentação trazida pelos Estados e
pelo Distrito Federal, a fim de sustentar a cobrança do ICMS em tais casos, é
no sentido de que a alínea a, do inc. IX, do § 2º, do artigo 155 da
Constituição Federal autoriza a cobrança. Assim dispõe o mencionado
dispositivo:
§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao
seguinte (...)
IX - incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados
do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte
habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço
prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o
domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;
(Redação dada à alínea pela Emenda Constitucional nº. 33, de 11.12.2001, DOU
12.12.2001)
Com base no dispositivo acima, a
Administração Fazendária entende que é devido o ICMS sempre que ocorrer a
importação de mercadorias, independentemente dessa operação de importação
ocorrer mediante arrendamento mercantil (leasing internacional). Assim, o
Estado e o Distrito Federal entendem que sempre que a mercadoria entrar no
território nacional vindo do exterior, em decorrência de importação, será
devido o ICMS.
Todavia, este entendimento encontra-se
de toda sorte equivocado, posto que, o dispositivo acima transcrito não pode
ser interpretado isoladamente. Deve-se interpretá-lo dentro do contexto do art.
155, inc. II, da Constituição Federal, o qual estabelece a hipótese de incidência
do ICMS, senão vejamos:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal
instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior;
A constituição pressupõe a existência
de operações de circulação de mercadorias para incidência do imposto,
entendendo como circulação de mercadoria a transferência de propriedade do bem,
ou seja, a circulação econômica deste, conforme disposto anteriormente.
Não havendo a circulação econômica da
mercadoria, não há que se falar em tributação por meio do ICMS.
Consolidando o entendimento acima, o
Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº.
461.968-7/SP, decidiu pela não incidência de ICMS sobre operações de
arrendamento mercantil:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA.
ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II DA CB. LEASING DE
AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO
MERCANTIL. (STF ? Plenário - RE/461968 - Relator: Min. Eros Grau ? Data DJ
24/08/2007)
Assim dispôs o Ministro Eros Grau, Relator para o
acórdão acima citado:
(...)
10 - O imposto não é sobre a entrada de bem ou
mercadoria importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes
a operações relativas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias.
Dessa maneira, imperativa a conclusão
de que não incide ICMS sobre as operações de importação na forma de
arrendamento mercantil (leasing internacional).
Contudo, os Estados persistem em
efetuar a cobrança do tributo nestas situações, podendo esta ser afastada de
plano, através da medida judicial cabível, garantido o direito do contribuinte.
Bruno Cazarim da Silva